Hoje escrevo de olhos brilhantes e de coração preenchido. Hoje muita história passou por mim e hoje vivi na pele a vida de outros que me deixaram em lágrimas, que me deixaram a pensar no sentido da vida e que na verdade cruzei-me com estas pessoas para lhes dar uma luz nestes dias que tardam em passar.
Depois da estadia maravilhosa em casa do Sr. Vítor e da dona Angelina, aos quais não tenho como agradecer e foi um até já pois ficou a promessa de irem dar uma volta de tuk tuk comigo por Lisboa.
Com eles mais uma vez limitei-me a aceitar e o Sr. Vítor deixou-me com a seguinte frase
“Quando te derem aceita, quando te tirarem grita”
Deram-me tudo, boleia, abrigo e comida. Estou grata a estas pessoas que passaram por mim.
Deixaram-me na estação de serviço onde fiquei 1h à espera.
Parou um rapaz com 3 filhos era britânico e disse-me que não sabia para onde ia só que ia para Espanha. Um ambiente estranho e pesado no carro, ele conduzia rápido e na verdade parecia-me um gangster repleto de anéis de ouro, colares em Cruz e com o dólar. Restou-me brincar com os miúdos e acabámos a cantar “I crush my car into the bridge” .
Fiquei na fronteira onde apenas havia um parque de descanso vazio. Esperei 15 minutos até que apareceu a Camila, metade americana metade venezuelana, comunicamos em inglês todo o caminho, ela tinha estado em Olhão (uma palavra que nem sabia pronunciar) numa consulta para tratar de um problema que tinha no pescoço. Uma senhora muito alegre e simpática, cantámos e ainda me convidou para um café, diz que também vai para Marrocos talvez nos encontremos por lá!
Desviou a sua rota e deixou-me mais à frente numa estação.
(Tem a mão à frente da cabeça pois dizia que estava despenteada para a fotografia)
Enquanto mostrava a placa o Juan aproximou-se e ofereceu boleia no camião, portem estava com receio porque levava carga perigosa e eu tinha que ter autorização para ir com ele, mesmo assim arriscou . Trabalha desde os 20 como camionista e tem 3 filhos pequenos diz que tem a sorte de puder ir todos os dias a casa por faz distâncias curtas.
Deixou-me numa zona empresarial onde ainda esperei uma meia hora pelo Miguel, tinha uma empresa de construção e tinha acabado de carregar material antes de me apanhar!
Estudou em Boston e tinha 2 filhas lindíssimas! Ao falar perdi a conta de quantas vezes disse “tota” era a sua bengala de comunicação mais específica, contou-me as suas aventuras em Marrocos há 20 anos atrás e como ainda se lembrava da primeira vez que foi a Portugal.
Enquanto esperava pela próxima boleia apareceram 4 motars Portugueses que iam para Marrocos e só não me deram boleia porque não tinham capacete! Teria sido a primeira boleia de mota! Combinamos encontrarmo-nos algures em Marrocos!
Apareceu Jesus, e se eu tivesse palavras para descrever a força e o coração desde homem juro que o faria. Levou-me ás lágrimas ao longo das quase 2h de viagem.
“Voltei agora do hospital de Sevilla o filho da minha mulher vai morrer. Estamos à espera que morra. Tem 11 anos e um tumor cerebral. Aqui estou eu à espera que o coração pare e que ele descanse em paz”
Diz-me isto abatido e quase sem forças.
Ele não dormia há 48h e parece que tudo lhe acontecia na vida. A mulher deixou-o com 2 filhas (e era um pai tão babado as “minhas meninas”) seguiu em frente. Perdeu o pai aos 20 e agora isto.
O Jesus estava mesmo em baixo mas ajudou-me e tinha forças para sorrir via a vida de uma forma bonita. Pratica budismo e medita quando pode, considera a sua casa um templo. Passou muitos anos em alto mar nos cargueiros pois era engenheiro.
Ainda parámos e convidou-me para um café, e este encontro já estava marcado, ele precisava de desabafar afinal o mundo estava a desabar e eu estava ali para ele. Ele dizia isto está a ser difícil mas o depois não será melhor.
O Jesus fez-me pensar muito na vida e questionou-me muito, deixou-me em lágrimas e arrepiada com as suas palavras e modo de enfrentar a vida.
Ao Andros a criança que não tive oportunidade de conhecer pessoalmente e que provavelmente neste momento já é uma estrelinha brilhante no céu guardo a sua história no meu coração e mantenho-o vivo neste meu cantinho a que chame de blog, que está recheado de pessoas incríveis. Descansa em paz pequeno grande herói.
E a ti Jesus, obrigada pelos conselhos e pela amabilidade até que o nosso caminho se cruze uma vez mais.
Fiquei no centro da cidade, mesmo em frente ao Porto dos barcos. Perdi-me entre as ruelas e cheguei ao hostal fez, estilo marroquino, entrei. Primeiro pediram-me 15€ por um quarto perguntei se não tinham nada mais barato. Assim foi 10€ uma cama.
Pela noite fiquei à conversa com a Laura (falarei dela noutra altura para contar a sua história)
Fui dormir com 2 marroquinas e 2 bebés, claro que acabei por não dormir nada, a luz ficou acesa porque o bebe não dormia às escuras e entre choros e tosses imaginem. Vale a experiência de me sentir observada por 2 mulheres de burca e até coloquei o gorro da sweat para não estar tão “destapada”.
20.04.17
Marta Durán
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