Desabafos p’las Annapurnas: IV e V

-Tilicho Base Camp-

(4150m)

14/10/2017

Há dias que temos ideias loucas, e hoje foi um deles.

O plano era fazer 35 km num só dia e assim retirávamos 1 dia à caminhada. Estava louca quando achei que era possível, aliás estávamos todos loucos, porque através da leitura do mapa parecia possível, esquecemo-nos foi do problema da altitude e que estávamos a 3500 metros e teríamos de ir até aos 5000m e voltar.

Sim podem chamar-me de louca.

O plano foi o seguinte:

Deixar o peso todo numa guest house em Khangsar e ir até ao lago e voltar (total de 35 km). A meio do caminho para o campo base (onde acabaríamos por ficar a dormir) apercebi-me que não era possível chegar até ao lago, era muito longe e este caminho eram todo de desfiladeiros, um passo em falso e escorregava pela montanha a baixo (perdia a vida para ser realista).

Reformula-mos a decisão ficaríamos no campo base do Tilicho a aclimatar à altitude e no dia seguinte subíamos ao lago e regressávamos a Khangsar onde tínhamos as malas.

Durante o trekking podemos ver vários avisos com os cuidados a ter com a altitude e os sintomas (dor de cabeça, tonturas, vómitos e febre), em casos extremos pode levar á morte. Assisti a um resgate de helicóptero, e ainda um senhor que mal se conseguia suster em pé, caminhava como se estivesse super bêbado. Vou ser sincera estou com medo de não conseguir chegar ao lago que está a 5000 m.

Chegámos e havia 1 quarto com uma cama de casal livre (nós somos 6), havia a opção de 3 pessoas ficarem na sala comum a dormir no chão, mas como somos um grupo unido decidimos enfiar 6 pessoas num quarto minúsculo. As 3 mulheres na cama e os 3 homens no chão, com o frio que estava o calor humano ajudou a que todos dormíssemos bem!

Depois de um dia delicado como o de hoje já só quero descansar, estou ansiosa para o dia de amanhã! Chegada ao lago mais alto do mundo de acordo com o seu tamanho!!!!

– Tilicho Lake- 27km

15/10/17

Às 5h estava de pé, tinha que subir cedo para não apanhar muito vento e ter tempo de regressar.

Eram ‘’apenas’’ 5 km, que sobem 1000m de altitude, há quem os faça em 3h, 4h e até em 5h.

Fiquei-me pelas 3h, mas 3h que me pareceram uma eternidade.

A falta de oxigénio na subida era notória desde o primeiro passo. Uma subida íngreme que parecia não ter fim é uma luta e um desafio constante, quer físico quer mental. O meu objectivo era chegar ao lago e a dificuldade por vezes leva à desistência (haviam pessoas a descer). Nunca o pensei fazer porque o sonho estava no topo daquela montanha, estava cada vez mais perto a cada passo, a cada respiração.

No meio de tanto frio estava espantada com a beleza natural do lago a 5000m de altitude! Lindo Lindo Lindo.

Queria ter ficado lá, mas o frio gelava e o vento apareceu.

Já posso dizer que estive no lago mais alto do mundo de acordo com o seu tamanho, e é incrível.

Ali estava ele, intocável, grandioso. Que beleza.

Eu estava orgulhosa de ter ali chegado, há tanto que esperava por aquele momento. Depois de tanto esforço ali estava eu a erguer a minha bandeira. Com orgulho.

A regressar não contive as lágrimas deparei-me com uma panorâmica dos himalayas, deparei-me a realizar um sonho, deparei-me exausta mas tão feliz.

Depois da subida mais difícil vem a vista mais bonita, e de facto nunca tinha visto nada tão natural e virgem à mão do homem.

Estou exaustivamente feliz.

Em 1h30 desci, a descer todos os santos ajudam! O oxigénio voltava à medida que descia mas uma grande dor de cabeça acompanhava-me.

Cheguei quase sem forças ao base camp e ainda tinha uma longa etapa pela frente.

Almoçámos e fomos.

Tínhamos que regressar a Khangsar onde tínhamos deixado as malas no dia anterior, 18 km pelas derrocadas, foi um desafio enorme e parecia que nunca mais chegava, uma dor de cabeça que não me largava e passos que custavam a dar.

Ninguém disse que cumprir sonhos era fácil.

Estou orgulhosa de mim, quero continuar a palminhar montanhas e a superar-me todos os dias. A superação pessoal trás resultados e mostra algo que nunca tínhamos visto em nós.

Desabafos p’las Annapurnas: III

13/10/2017

O cansaço consome os pensamentos que têm dificuldade a ser transmitidos em papel, os olhos vão-se lentamente fechando, e a caneta cada vez deitando menos tinta.

Estou morta, 24km em cima e cheguei aos 3540m de altura, estou em Manang.

Uma etapa fisicamente desgastante, com uma subida inicial que parecia não ter fim, um sol abrasador e um corpo cansado.

As paisagens deslumbram, mas a chegada foi uma luta constante.

Uma bolha que incomoda nas subidas, mas é só psicológico, em 2 dias chego ao lago tilicho. O lago mais alto do mundo de acordo com o seu tamanho, estou desejosa de lá chegar.

Até agora sinto-me bem em relação à altitude, estava com algum receio depois de testemunhos que passaram mal e tiveram que baixar, mas estou quase a metade da altitude máxima que vou atingir. Aclimatar e aproveitar cada dia.

São 21h e dentro do saco de cama já meio adormecida sorrio por estar aqui.

Aqui vão algumas fotografias:

Desabafos p’las Annapurnas: II

12.10.2017

”Sou as pessoas que conheci”

Dou por mim a ver os dias passar num ápice e a não conseguir agarra-los, estar no meio desta imensidão enche a alma e completa tudo o que um dia aqui faltou.

Cada dia compreendo mais a magia dos himalayas a paz e a força da natureza que é algo intocável e inigualável.

Esfrego os olhos e pergunto-me se é real.

Como iniciei só esta viagem e terminei junto de 5 pessoas fantásticas.

Reencontrar algo que havia perdido está a poucos passos de distância, agora é alimentar todas estas boas energias e pensamentos e espalhar, partilhar com os outros, que tal como eu tenham a oportunidade de sonhar alto e de se realizarem. É tão bom quando podemos partilhar sorrisos e sonhos é tão bom sentir felicidade e paz no ar.

Se cada um escalar a sua montanha da vida aproveitando cada passo, sairá mais rico e de energias renovadas.

A minha montanha está a ser esta, mas em cada lugar há um sítio especial à nossa espera, temos simplesmente que sair, parar, olhar, sentir e entregar-nos ao mundo de alma despedida.

-Upper Pisang-

(3200 m de altura)

Até ao próximo desabafo 🙂

Desabafos p’las Annapurnas: I

O blog esteve parado, eu estive parada, no meio da rotina, das aulas e de Katmandu não tinha vontade de escrever.

Regressei, e em força.

Iniciei uma caminhada, esperava por isto desde que me lembro. Sabem aqueles sonhos que estão escritos algures em papel do que fazer antes de morrer? Pois bem fazer uma caminhada nos Himalayas era um dos meus maiores sonhos!

Partilharei com vocês excertos do meu diário, onde cada dia pela noite desabafava o que sentia e os frutos do dia.

Espero que gostem e acompanhem este percurso que foi um mais que um sonho e que vocês próprios se envolvam com a magia dos Himalayas.

10.10.2017

Hoje cada passo que dava era dado cheio de motivação, fui acolhida pela grandiosidade da Natureza e nunca tinha visto nada igual.

Estou tão feliz por estar aqui e tão realizada, atirar-me de cabeça para este trekking fez com que novas ideias surgissem, fez com que ganhasse ainda mais motivação para a viagem que aí vem, fez-me sentir que o destino guarda-me coisas maravilhosas e insistir na auto-realização vou crescer em cada experiência vivida.

Tenho o coração livre e recheado de boas energias. Dou por mim a sorrir para as montanhas, para as cascatas, para os animais e para o céu onde tenho lá os avós que olham por mim e me acompanham.

Sei que depois de uma subida vem algo maravilhoso, cada gota de suor, cada passo, cada dor muscular é a junção para um tipo de felicidade que por vezes está escondida e tende em ser difícil de ser encontrada.

Estou no meio da mãe natureza e não há nada mais puro que isto.

Eu e as montanhas!

Que montanha da vida é a minha!

Local: Danagyu

Km’s percorridos: 22km

Marta Geadas Durán

1 mês e meio depois

Estou há horas nesta página em branco, na verdade para vos ser sincera esta página está em branco desde a última vez que escrevi. Deixada ao abandono, até hoje que resolvi sentar-me e refletir sobre este primeiro mês e meio em Katmandu, agora apelidado de Dustmandu (já vão perceber porquê)

Esta introdução dá a parecer que têm sido tempos difíceis, mas antes pelo contrário. Não tenho escrito, não por falta de tempo, tenho bastante tempo para mim e para as minhas coisas, mas tenho aproveitado o tempo para explorar, estar, conviver e aprender mais sobre esta cultura e estas pessoas.

Tenho aulas apenas da parte da manhã, ou seja, a parte da tarde é inteiramente dedicada a mim, tive que me obrigar a sair e a conhecer (obrigar é só uma expressão porque o que mais gosto é de sair e conhecer o que me rodeia), tenho ido jogar futebol, andar de skate ou então há dias como hoje que fico em casa a escrever ou a ler um livro e convido algum amigo (já tenho alguns) para vir passar a tarde.

Já percorri grande parte da cidade e já visitei a maioria dos templos de Katmandu.

O Terramoto destruiu parte dos monumentos e é visível parte da destruição, a entrada nestas áreas é cobrada aos turistas, portanto a mim não me vão cobrar, se for a pensar cada vez que vou visitar estes sítios ter que pagar 10 euros não dá para me sustentar aqui. Arranjo sempre formas de ‘’sneak in’’ infiltrar-me. (Quem me vier visitar prometo entradas gratuitas e visitas guiadas, estão todos na guest list)

Mas esta estratégia de infiltrar-me chegou a outro nível, há umas semanas atrás fui com as minhas alunas ao templo Pashupatinath, conhecido pelas cremações dos corpos. A entrada dentro do templo é estritamente exclusiva para Hinduistas, mas eu queria entrar e elas queriam que eu entrasse. Então, umas das minhas alunas emprestou-me uma Curta (veste típica), umas pulseiras típicas e eu coloquei os óculos de sol para não verem os meus olhos. Foi arriscado na verdade não sei o que me poderia ter acontecido, mas nada demais certamente seria apenas expulsa. A entrada era reforçada mas eu simplesmente confiei que era uma Nepalesa, entrei e imitava exatamente as minhas alunas a rezar, sem desrespeito algum, mas foi uma experiência super interessante e única. Ficará na memória porque era proibido tirar fotos lá dentro.

Dustmandu- A cidade foi apelidada de tal forma porque cada vez que saio à rua tenho que usar a máscara, a poluição é terrível nomeadamente o pó (Dust).

Tenho que escrever mais mas perco-me nos dias e deixo para ”amanhã”, Katmandu já é casa, já conheço os vizinhos, o senhor dos legumes, o que me carrega o telefone, o dono do supermercado Blue Moon, os dealers que vendem haxixe em Thamel, o Bairro Alto de Katmandu, (não porque consuma mas porque vou lá muitas vezes e já me conhecem), os empregados do restaurante em frente à escola e incrivelmente já me acontece cruzar-me com amigos na rua e oferecem-me boleia até casa.

Já há algumas peripécias obviamente e já soltei muitas gargalhadas à conta do caos que aqui por vezes se vive!

Estou cá até final de Novembro por isso ainda há muito para viver!

Há imagens valem mais que mil palavras por isso aqui vão algumas imagens do meu dia-a-dia em Katmandu:

21.08.2017

Marta Durán

Casamento Nepalês

” Martina, later wedding?” Pergunta-me a mummy (a minha mãe Nepalesa) no seu inglês peculiar.

Aceito sem pensar duas vezes, estou cá nem há 2 semanas e já sou convidada para casamentos? Não sei se voltarei a ter uma oportunidade destas.

A mummy emprestou-me um Sari (veste tradicional), arranjei-me e fomos.

Sobre o casamento no Nepal:

Aqui a celebração do casamento pode durar até 1 semana, são casamentos luxuosos e vibrantes. A religião dominate no Nepal é o Budismo e o Induismo, este era um casamento budista. Hoje em dia ainda é muito recorrente os casamentos arranjados pelas próprias famílias, principalmente os noivos têm de ser da mesma casta (classe social) há um número incontável de castas mas a classe social normalmente é vista pelo o apelido familiar.

O casamento segue-se com algumas tradições, porém eu estive presente na festa, os noivos já se tinham casado uns dias antes noutra cidade do Nepal.

Desde a minha chegada os noivos ficaram no palco junto do trono a receber as pessoas, familiares e amigos. Cada convidado oferecia um khata (cachecol normalmente feito de seda) ou um ramo de flores. Aquando festividades, casamentos, funerais, nascimentos chegadas ou partidas é oferecido um khata como sinal de pureza e compaixão. (Eu própria antes da partida de Lisboa recebi um khata do Kamal e na chegada a mummy recebeu-me com outro).

(O meu pensamento foi, será que guardam todos os khata? Aos poucos iam-nos tirando do pescoço porque senão chegavam ao final da noite sem espaço para mais.)

E num casamento o que é que não pode faltar? Na verdade nós, convidados só vamos ao casamento por uma simples razão COMIDA.

Aqui não foi excepção, obviamente que não vim pela comida, mas não vou mentir foi um dos pontos altos da noite, tive a oportunidade de experimentar vários pratos típicos (somente os vegetarianos, que na verdade eram a maioria) e as sobremesas!

Mas isto não é tão fácil como parece, tem todo um processo ”esquisitóide” da minha parte.

Primeira pergunta:

”É vegetariano?” – se a resposta for sim, passo para a próxima questão;

“É picante?” – aqui tenho sempre várias respostas e há que saber descodificar bem a pessoa pelo seu sorriso e olhar .

-”yes” ok, ele tem completamente razão, quando eles dizem que sim é porque até dá para cheirar o picante à distância ( e não estou a mentir) de certa forma até os olhos lacrimejam.

–  “A little bit” e este ”um pouco” torna-se um picante extremamente picante para o meu paladar.

E depois há dois tipos de ”No”, o não verdadeiro que de acordo com os meus gostos é comestível e consigo apreciar e depois há um ”não” que ainda assim a comida é picante mas nada que 1 litro de água durante a refeição não resolva.

Aqui vão alguns pratos deste casamento:

Por fim depois do jantar foi a hora da dançar, música Nepalesa e música Indiana todo um novo estilo que eu nunca tinha observado (quem conhece a maneira meia Africana que danço vão ver agora um acréscimo Nepalês).

A pista situava-se no centro da sala em forma de circulo e estava rodeada por cadeiras com pessoas a assistir, as mulheres dançam com as mãos e a anca e os homens dão uma espécie saltos e mexem as pernas para os lados.

Aqui vos deixo com algumas fotos que tirei no casamento:

10.07.2017

Marta Durán

Casa nova: Katmandu, Nepal

Namastê,

Foi uma chegada atribulada, o voo aterrou de emergência (demoraram 3h em arranjos) e ao chegar ao aeroporto a minha mala tinha sido extraviada.

O Bishwo (irmão do Kamal, o director da escola) estava à minha espera e seguimos até casa de carro.

Olhava em redor e tudo era diferente, as cores, os cheiros, a confusão, as pessoas.

Está um calor húmido que nos primeiros momentos custa a respirar, a roupa cola-se ao corpo e num instante estamos pegajosos. Em Macau também era assim, recordava.

Toda a gente apita sem motivo, as regras de trânsito parecem não existir, ou na verdade cada um faz as suas regras.

É uma aventura cada vez que se sai à rua, desviar das poças de lama, usar máscara quando o pó é demasiado, atravessar estradas entre o amontoado de carros e motas, e tentar não ser atropelada porque a invenção das passadeiras aqui é apenas um efeito estético, pedir comida sem picante (quando eles dizem ”it’s just a little bit” é porque para mim é extremamente picante) e pedir um táxi com meter tcha (taxímetro).

Os Nepaleses são acolhedores e apresentam sorrisos constantemente, prestáveis e muito curiosos.

Os meus primeiros dias têm sido fantásticos, a Teresa que é a professora que eu vou substituir tem feito de tudo para me integrar aqui, mostrou-me a cidade, apresentou-me a Catarina ( voluntária da Obrigado Portugal) e o Matt que trabalha cá.

Já percorri parte da cidade e ainda é possível ver os destroços que o terramoto provocou.

O que vim para aqui fazer perguntam?

Vim dar aulas de Português na primeira escola Portuguesa no Nepal, vou ser a segunda professora desde que a escola abriu.

A escola ”Onovato” foi criada com o objectivo de dar bases de Língua Portuguesa aos Nepaleses que vão emigrar para o nosso país, e desta forma facilitar a sua integração na nossa cultura, ajudar na procura de trabalho e ainda aumentar a ligação destes dois países.

Vejo esta escola como uma enorme expansão da nossa língua pelo mundo e sinto orgulho em fazer parte deste projecto.

Deixo-vos com algumas fotografias:

Chefchaouen, o paraíso Azul | Marrocos

Chefchaouen, chamei-lhe de paraíso azul, é uma cidade situada no Norte de Marrocos, rodeada das montanhas Riff, esta área é ainda conhecida pelas plantações de haxixe.

É uma vila que hipnotiza pela sua cor, pelos seus cheiros e pelas suas ruas. Para quem vive em Lisboa é uma comparação ao bairro de Alfama mas todo azul.

É fácil perder-se e até dá um certo gosto, as pessoas sorriem ao contrário de outras grandes cidades, uma cidade pitoresca que dá vontade de voltar. Tive a sorte de ter uma visita guiada pela cidade com a Arlene que estava também a fazer couchsurfing com o Nabil (Marroquino) que era professor de matemática.

Após uma pequena caminhada até ao miradouro sou surpreendida por esta paisagem:

Caminhar pela medina é refletir e aproveitar a paz do sítio, ainda que seja turístico é possível escapar. Ainda fiquei apaixonada pelo mercado, onde vendiam desde legumes a fruta tudo fresquinho e barato!

Aqui os velhotes não gostavam que os turistas tirassem fotos, creio que por invasão de espaço ou provavelmente ainda acabam num postal! É compreensível!

Deixo-vos com algumas fotos deste sitio magnífico e se forem a Marrocos não deixem de passar por Chauen.

 Azul é tranquilidade e harmonia e é isso mesmo que esta cidade reflete para os que lá passam. O Azul simboliza o céu, o mar e o infinito. Estar nesta cidade acalma a alma.

Boas boleias!

Abril 2017

Marta Durán

Tânger tornou-se especial | Marrocos

Esta aventura a Marrocos começou atribulada depois de 2 dias à boleia de Lisboa até Algeciras cheguei e os barcos não faziam a travessia até Tanger Med devido aos ventos fortes. Assim fiquei 1 dia parada naquela cidade onde pouco se faz, porém tive a sorte de ficar num hostel com ambiente familiar onde me trataram super bem.

Não queriam que me fosse embora, mas há dias assim, o chamado dia da despedidas. Acredito que deixamos sempre um bocadinho de nós por onde passamos e comigo levo parte deles.

Já no porto:

Filas e filas de pessoas que já estavam há 3 dias sem barco.

A entrada no barco estava demorada e a meu lado estava Filipe de prancha na mão, sozinho também, acabámos na conversa  e dei por mim já acompanhada até chegar a continente Africano.

A travessia foi morosa muita ondulação e antes de sair ainda tive que esperar 1 hora na fila para ter o passaporte carimbado!

O Ferry para em Tânger Med que fica a cerca de 50km de Tânger.

Fui até ao autocarro que apenas custava 7 Dhr (70 cent) no entanto não aceitavam notas e eu também não tinha moedas, tive a sorte de um senhor super simpático que também esperava o autocarro pagar-me eheh

Chegada a estação esperei 10 minutos pelo Achraf o meu anfitrião do couchsurfing, fomos de imediato deixar a minha mala a sua casa, disse que íamos de táxi (Achei-o muito fino inicialmente por andar de táxi mas depois percebi o esquema)

Fomos até à estação de táxis e entrámos num táxi com 5 pessoas lá dentro sim eu primeiro achava que já estava completo mas não 3 pessoas à frente e 4 atrás cada um paga 5 DRH (50 cent) e foi assim que nos transportámos todos os dias! Tipo sardinhas enlatadas .

Fomos logo jantar couscous com legumes e ele um peixinho frito.

Os colegas de casa do Achraf:

O Achraf acompanhou-me o Domingo todo e fez-me sentir como uma verdadeira local:

Pequeno almoço a 1 euro e pouco, uma sandes de queijo barrado com ovo cozido e um sumo de laranja natural.

Foi dia de clássico Barcelona-Real Madrid e fui assistir ao jogo a casa de um amigo Marroquino porém encontrei pessoas de todas as nacionalidades!

Posso dizer que os Marroquinos são loucos pelo futebol e foi um jogo muito intenso!

Fomos beber o típico chá ao café Hafa, bastante popular em Tanger pelo seu chá e pela vista em redor.

Só posso agradecer ao Achraf pelo fim-de-semana que me proporcionou em Tânger, de couchsurfing a um amigo super atento e simpático! Mais uma vez a minha teoria de que as pessoas tornam os sítios especiais confirma-se até uma próxima querido amigo.

Marta Durán

23.04.2017

Quando te derem aceita, quando te tirarem grita

Hoje escrevo de olhos brilhantes e de coração preenchido. Hoje muita história passou por mim e hoje vivi na pele a vida de outros que me deixaram em lágrimas, que me deixaram a pensar no sentido da vida e que na verdade cruzei-me com estas pessoas para lhes dar uma luz nestes dias que tardam em passar.

Depois da estadia maravilhosa em casa do Sr. Vítor e da dona Angelina, aos quais não tenho como agradecer e foi um até já pois ficou a promessa de irem dar uma volta de tuk tuk comigo por Lisboa.

Com eles mais uma vez limitei-me a aceitar  e o Sr. Vítor deixou-me com a seguinte frase

“Quando te derem aceita, quando te tirarem grita”

Deram-me tudo, boleia, abrigo e comida. Estou grata a estas pessoas que passaram por mim.

Deixaram-me na estação de serviço onde fiquei 1h à espera.

Parou um rapaz com 3 filhos era britânico e disse-me que não sabia para onde ia só que ia para Espanha. Um ambiente estranho e pesado no carro, ele conduzia rápido e na verdade parecia-me um gangster repleto de anéis de ouro, colares em Cruz e com o dólar. Restou-me brincar com os miúdos e acabámos a cantar “I crush my car into the bridge” .

Fiquei na fronteira onde apenas havia um parque de descanso vazio. Esperei 15 minutos até que apareceu a Camila, metade americana metade venezuelana, comunicamos em inglês todo o caminho, ela tinha estado em Olhão (uma palavra que nem sabia pronunciar) numa consulta para tratar de um problema que tinha no pescoço. Uma senhora muito alegre e simpática, cantámos e ainda me convidou para um café, diz que também vai para Marrocos talvez nos encontremos por lá!

Desviou a sua rota e deixou-me mais à frente numa estação.

(Tem a mão à frente da cabeça pois dizia que estava despenteada para a fotografia)

Enquanto mostrava a placa o Juan aproximou-se e ofereceu boleia no camião, portem estava com receio porque levava carga perigosa e eu tinha que ter autorização para ir com ele, mesmo assim arriscou . Trabalha desde os 20 como camionista e tem 3 filhos pequenos diz que tem a sorte de puder ir todos os dias a casa por faz distâncias curtas.


Deixou-me numa zona empresarial onde ainda esperei uma meia hora pelo Miguel, tinha uma empresa de construção e tinha acabado de carregar material antes de me apanhar!

Estudou em Boston e tinha 2 filhas lindíssimas! Ao falar perdi a conta de quantas vezes disse “tota” era a sua bengala de comunicação mais específica, contou-me as suas aventuras em Marrocos há 20 anos atrás e como ainda se lembrava da primeira vez que foi a Portugal.


Enquanto esperava pela próxima boleia apareceram 4 motars Portugueses que iam para Marrocos e só não me deram boleia porque não tinham capacete! Teria sido a primeira boleia de mota! Combinamos encontrarmo-nos algures em Marrocos!


Apareceu Jesus, e se eu tivesse palavras para descrever a força e o coração desde homem juro que o faria. Levou-me ás lágrimas ao longo das quase 2h de viagem.

“Voltei agora do hospital de Sevilla o filho da minha mulher vai morrer. Estamos à espera que morra.  Tem 11 anos e um tumor cerebral. Aqui estou eu à espera que o coração pare e que ele descanse em paz”

Diz-me isto abatido e quase sem forças.

Ele não dormia há 48h e parece que tudo lhe acontecia na vida. A mulher deixou-o com 2 filhas (e era um pai tão babado as “minhas meninas”) seguiu em frente. Perdeu o pai aos 20 e agora isto.

O Jesus estava mesmo em baixo mas ajudou-me e tinha forças para sorrir via a vida de uma forma bonita. Pratica budismo e medita quando pode, considera a sua casa um templo. Passou muitos anos em alto mar nos cargueiros pois era engenheiro.

Ainda parámos e convidou-me para um café, e este encontro já estava marcado, ele precisava de desabafar afinal o mundo estava a desabar e eu estava ali para ele. Ele dizia isto está a ser difícil mas o depois não será melhor.

O Jesus fez-me pensar muito na vida e questionou-me muito, deixou-me em lágrimas e arrepiada com as suas palavras e modo de enfrentar a vida.

Ao Andros a criança que não tive oportunidade de conhecer pessoalmente e que provavelmente neste momento já é uma estrelinha brilhante no céu guardo a sua história no meu coração e mantenho-o vivo neste meu cantinho a que chame de blog, que está recheado de pessoas incríveis. Descansa em paz pequeno grande herói.

E a ti Jesus, obrigada pelos conselhos e pela amabilidade até que o nosso caminho se cruze uma vez mais.


Fiquei no centro da cidade, mesmo em frente ao Porto dos barcos. Perdi-me entre as ruelas e cheguei ao hostal fez, estilo marroquino, entrei. Primeiro pediram-me 15€ por um quarto perguntei se não tinham nada mais barato. Assim foi 10€ uma cama.


Pela noite fiquei à conversa com a Laura (falarei dela noutra altura para contar a sua história)

Fui dormir com 2 marroquinas e 2 bebés, claro que acabei por não dormir nada, a luz ficou acesa porque o bebe não dormia às escuras e entre choros e tosses imaginem. Vale a experiência de me sentir observada por 2 mulheres de burca e até coloquei o gorro da sweat para não estar tão “destapada”.


Escrito a

20.04.17

Marta Durán